Janela mais tradicional do Festival de Cinema de Vitória, a Mostra Competitiva Nacional de Curtas-Metragens chega a sua 22ª edição neste ano com uma seleção de 16 obras da recente produção brasileira. Ficção e documentário são os gêneros que compõem a mostra, que terá sessões de 4 a 7 de setembro, no Teatro Carlos Gomes. A entrada é gratuita.

Neste 25º FCV, a mostra apresenta uma grande variedade de regiões entre os selecionados: nove Estados estão representados nesta seleção – Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Amazonas, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná. (Confira a programação e a sinopse dos filmes selecionados no fim da matéria.)

Neste ano, o Festival de Cinema de Vitória apresenta, em sua seleção de curtas-metragens, uma radiografia dos rumos que o cinema brasileiro tem tomado nos últimos anos.

“Pelo próprio ritmo de sua produção, o curta-metragem sempre antecipou as tendências e transformações vividas por nosso cinema, tanto em termos temáticos quanto estéticos – e também no âmbito da representatividade de grupos outrora posicionados de forma periférica nos cânones da filmografia brasileira”, comenta o professor e cineasta Erly Vieira Jr., que fez a curadoria da mostra ao lado de da crítica e pesquisadora de cinema Kênia Freitas, da mestranda em Cinema e Audiovisual Luana Cabral e do pesquisador e programador Waldir Segundo.

De acordo com Erly, muito do “futuro” do cinema brasileiro, ao menos nas últimas décadas, tem sido previsto nas sucessivas safras de curtas-metragens. “Num momento importante de disputa pelo protagonismo de nossas narrativas audiovisuais,  especialmente em termos de gênero e raça, a atual safra anuncia uma série de belas notícias que podem influir nos caminhos que a produção nacional pode tomar daqui em diante”, argumenta o curador.

Destaca-se, na mostra desta edição, a forte presença de realizadoras audiovisuais: 9 dos 16 selecionados são dirigidos por mulheres, uma marca histórica nestes 25 anos de festival.  E cinco dos filmes dessa mostra são dirigidos por negros, também em sua maioria mulheres – o que perfaz um inédito índice de 25% de obras assinadas por mulheres negras na principal mostra de curta-metragens do FCV.

A variedade de temáticas lida com questões urgentes do Brasil de hoje, como a vida nas periferias das grandes cidades, o extermínio da juventude negra, a violência sexual contra mulheres, os usos do espaço público, as comunidades quilombolas e o cotidiano de pessoas trans em diferentes regiões do país. “Todos esses temas vêm acompanhados de uma forte diversidade estética, resultado desses distintos e instigantes pontos de vista e lugares de fala que atravessam a atual geração de curta-metragistas”, afirma Erly.

Obras

De acordo com a curadoria, a seleção de curtas-metragens para a 22ª Mostra Competitiva Nacional de Curtas-Metragens deste ano foi realizada a partir de (e sobre) perspectivas identitárias e sociais diversas.

“Em comum, estes filmes apresentam propostas de fazer cinema impregnadas pelas vivências do seus lugares de produção – não apenas nas temáticas, mas nas estruturas narrativas, formais e estéticas. Assim, as vivências negras, femininas, trans, periféricas – com suas interseccionalidades e especificidades – marcam não apenas um lugar de realização das diretoras e diretores, mas atravessam o fazer fílmico”, explica Kênia Freitas, crítica e pesquisadora de cinema e uma das curadoras da mostra.

Realizados por mulheres, os filmes Tentei (Laís Melo, PR), Entre pernas (Ayla de Oliveira, PE) e Cravo, lírio e rosa (Maju de Paiva, RJ) abordam a violência e os medos de mulheres brancas diante de uma sociedade patriarcal e machista. “São filmes de e sobre mulheres que tratam das experiências psicológicas e físicas deste lugar de opressão. Enquanto Tentei leva ao limite a incomunicabilidade do trauma (e da sua consequente necessária não representação imagética), Entre pernas e Cravo, lírio e rosa transfiguram o medo das suas protagonistas em figuras fantásticas: o vampiro, a Perna Cabeluda”, destaca Kênia.

A respeito de BR-3 (Bruno Ribeiro, RJ), Apenas o que você precisa saber de mim (Maria Augusta V. Nunes, SC) e Vaca Profana (René Guerra, SP), Kênia afirma que os filmes “deslocam as narrativas trans para uma construção dos afetos das personagens. Sejam essas relações afetivas cotidianas, como um romance adolescente em Apenas o que você precisa saber sobre mim, seja o desejo da maternidade que se concretiza no parto catártico de Vaca Profana ou no livre circular entre a lacração coreográfica ao som de Beyoncé e a encenação naturalista amorosa do sexo em BR-3.

Segundo a curadora, outra característica dos filmes da mostra de curtas é a reconfiguração da espacialidade, instigada pelo transbordamento de fronteiras narrativas: “Em Estamos todos aqui (Chico Santos e Rafael Mellim, SP), o corpo frenético de Rosa em busca de construir uma nova casa após ser expulsa pela família torna-se o ponto de apoio precário e intenso do filme, entre a encenação vertiginosa e um contexto urgente da expulsão dos moradores de seus lares da zona portuária do Rio de Janeiro. Em Maria (Elen Linth e Riane Nascimento, AM) os deslocamentos da personagem principal pela cidade são o dispositivo de capturas dos olhares ao seu redor sobre o corpo de mulher trans. Nas chaves do ficcional ou do documentário, o existir para a câmera de Rosa e Maria é marcado pelo performar além do filme, atravessado pelo espaço físico e geográfico por onde as personagens circulam.”

Maré (Amaranta César, BA) também trabalha o tensionamento espacial ao fincar sua narrativa em uma vila quilombola em isolamento. Há um mergulho de temporalidade que desloca-se do urgente para as relações geracionais femininas familiares e de ancestralidade entre as quilombolas e a terra. A dimensão encenada dessa espacialidade comunitária é também uma das propostas de Da curva pra cá (João Oliveira, ES), mostradas por meio das vivências de Dudu, jovem negro morador do morro do Jaburu, em Vitória. O filme se move de um registro documental do espaço social do morro para um subjetivo/sensorial, fazendo uma imersão nas percepções sensíveis do personagem que reconfiguram o espaço comunitário”, completa Kênia.

O mesmo universo da vivência negra periférica está presente nos curtas Braços Vazios (Daiana Rocha, ES) e Peripatético (Jéssica Queiroz, SP). Para a curadora, ambos “abordam a realidade do genocídio da juventude negra brasileira e os limites narrativos de encenar o irrepresentável.” De acordo com Kênia, “Braços Vazios mescla o registro direto por depoimentos e uma encenação ficcionalizada, construindo uma narrativa de dor, mas também de cura para as mães de jovens negros assassinados; enquanto Peripatético se apresenta como um filme partido entre os desejos de pulsação desta juventude negra e a realidade inexorável do seu extermínio social.”

A seleção deste ano também reúne filmes que refletem sobre a mídia e as imagens como territórios privilegiados de configuração de vivência social, segundo Kênia. “Em Esperando o sábado (Erica Sansil, RJ) o fazer documentário nasce do confronto entre a existência multidimensional de três mulheres negras funkeiras com os comentários machistas e racistas dos portais de notícia sobre as suas formas de existir – situando a perspectiva das funkeiras como a de acesso ao filme”, afirma a curadora.

“Em Alma Bandida (Marco Antônio Pereira, MG) as imagens do celular e sobretudo as do videogame constituem uma criação midiática subjetiva para os personagens: o jogar recria o viver, e o avatar configura-se como um duplo incerto. Em Você morto (Raphael Araújo, ES) é a imagem do cinema que é questionada e o fazer filme que cria a incerteza – o encenar torna-se vestir cruelmente a máscara do outro produzindo imagens (das imagens) que perseguem, aterrorizam e matam. Os riscos das narrativas criadas na mídia e pelas imagens é também um dos motores de Terra Vermelha – ou o perigo da história única (Carlos Queiroz, ES). Neste caso, a desconfiança das narrativas tradicionais não dá lugar a ironia metalinguística, mas sim torna-se um reinvestimento na criação de histórias plurais a partir de variadas perspectivas”, completa.

Premiações

O anúncio das produções premiadas será feito no dia 8 de setembro, a partir das 21h30, durante a Cerimônia de Encerramento do 25º Festival de Cinema de Vitória.

Os filmes exibidos na 22ª Mostra Competitiva Nacional de Curtas-Metragens concorrem ao Troféu Vitória em sete categorias: Melhor Filme, Prêmio Especial do Júri, Melhor Direção, Melhor Roteiro, Melhor Contribuição Artística e Melhor Interpretação. Ainda será entregue o Prêmio do Júri Popular, por voto direto dos espectadores da mostra.

Uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte (IBCA), o 25º Festival de Cinema de Vitória conta com o patrocínio do Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo à Cultura, da Petrobras, do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), do Banco Regional de Desenvolvimento (BRDE), do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), da Ancine, e do Governo Federal, com Apoio da Rede Gazeta, da Prefeitura Municipal de Vitória, e da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo. O Festival conta também com Apoio Institucional do Centro Técnico do Audiovisual (CTAv), do Canal Brasil, da Arcelor Mittal, da Link Digital, da Mistika, da Cia Rio, da UVV e da Marlim Azul Turismo. O lounge do Festival é co-realizado pela Galpão Produções e pela molaa.

 

SERVIÇO:

25º FESTIVAL DE CINEMA DE VITÓRIA

Teatro Carlos Gomes, Centro de Vitória.

De 3 a 8 de setembro

Entrada gratuita

 

22ª MOSTRA COMPETITIVA NACIONAL DE CURTAS-METRAGENS

Terça-feira (4 de setembro) | 19h

BR-3 (Bruno Ribeiro, FIC, 23’, RJ). Kastelany chega na casa da Luciana. Mia se prepara para sair à noite com suas amigas. Dandara transa com Johi pela primeira vez.

 

Tentei (Laís Melo, FIC, 15’, PR). A coragem foi se fazendo aos poucos conforme a angústia tomava o corpo. Em certa manhã, Glória, 34 anos, parte em busca de um lugar para voltar a ser.

 

Alma Bandida (Marco Antônio Pereira, FIC, 15’, MG). Fael quer dar um presente para sua namorada. Enquanto isso, sua  paixão doentia grita alto pelas ruas da cidade. Às vezes, o coração da gente gosta de coisas e pessoas erradas.

 

Você, morto (Raphael Araújo, FIC, 19’, ES). O diretor de cinema independente Petter Baiestorff e o especialista em efeitos especiais Alexandre unem forças para a produção de um novo filme: “Você, Morto”. Os personagens dessa produção são mascarados com rostos de pessoas mortas. Qualquer um está sujeito a ser um ator no filme de Petter Baiestorf.

Quarta-feira (5 de setembro) | 19h

Entre pernas (Ayla de Oliveira, FIC, 20’, PE). “Quais mecanismos você usa para materializar o que está oculto na mente?” O mito da Perna Cabeluda assombrou e alimentou o imaginário da população pernambucana na década de 70. Aqui, 49 anos depois, a história ganha ares fantásticos. A ida à fortaleza da delegacia é o mecanismo da Mulher que se diz vítima da Perna. Em uma tentativa de se fazer ouvir, ela vai de encontro a materializar o oculto.

 

Cravo, lírio e rosa (Maju de Paiva, RJ, 20’, FIC). Cê, uma menina de oito anos, tropeça no cadáver de uma adolescente. A aparição do corpo muda drasticamente a vida de Cê e de sua irmã mais velha, Sara. A mais nova se comunica com os mortos como válvula de escape para a solidão, enquanto a mais velha tem que lidar com assédio e com a vulnerabilidade de seu corpo.

 

Maria (Elen Linth e Riane Nascimento, DOC, 17’, AM). Nascida aos 16, numa cidade ensanguentada por corpos de peito e pau.

 

Braços Vazios (Daiana Rocha, FIC, 16’, ES). Vera é uma mãe que perdeu seu filho, Carlos, de forma trágica. Ela não consegue se recuperar do trauma e se apega às lembranças numa tentativa de amenizar seu sofrimento. Até que um dia Vera encontra um bilhete que a obriga a fazer uma escolha.

 

Quinta-feira (6 de setembro) | 19h30

Maré (Amaranta César, DOC e FIC, 22′, BA). O movimento da maré: várias gerações de mulheres quilombolas entre o impulso de partir e a vontade de ficar, entre a incerteza do futuro e a força da ancestralidade.

 

Terra Vermelha – ou o perigo da história única (Carlos Queiroz, DOC, 7’, ES). Terra Vermelha (ou “o perigo da história única”) trata do poder que o discurso hegemônico tem em produzir narrativas estereotipadas sobre um determinado lugar. Questionamos esse processo a partir do olhar sensível e poético daqueles que revelam o verdadeiro “perigo da história única”. O lugar das múltiplas narrativas é, portanto, o lugar do empoderamento. Por isso: “Histórias importam. Muitas histórias importam”.

 

Estamos todos aqui (Chico Santos e Rafael Mellim, FIC, 19, SP). Rosa nunca foi Lucas. Expulsa de casa, ela precisa construir seu próprio barraco. O tempo urge enquanto um projeto de expansão do maior porto da América Latina avança, não só sobre Rosa, mas sobre todos os moradores da Favela da Prainha.

 

Peripatético (Jéssica Queiroz, FIC, 15’, SP). Simone, Thiana e Michel são três jovens moradores da periferia de São Paulo. Simone está a procura do seu primeiro emprego, Thiana tenta passar no concorrido vestibular de medicina e Michel ainda não sabe o que fazer. Em meio às demandas do início da fase adulta, um acontecimento histórico em Maio de 2006 na cidade de São Paulo muda o rumo de suas vidas para sempre.

Sexta-feira (7 de setembro) | 19h

Apenas o que você precisa saber sobre mim (Maria Augusta V. Nunes, FIC, 15′, SC). Os adolescentes Laura e Fábio se conhecem em uma pista de skate e a amizade logo se transforma em algo além. Mas um dia Laura desaparece sem dizer nada.

 

Da curva pra cá (João Oliveira, FIC, 19’, ES). Dizem que, quando você está sonhando, a única forma de descobrir que é um sonho é acender a luz.

 

Vaca Profana (René Guerra, FIC, 16’, SP). Nádia é uma travesti que quer ser mãe. Ela será mãe. Ela é mãe.

 

Esperando o sábado (Erica Sansil, DOC, 14’, RJ). Rejane, Thaís e Thamyres percorrem a cidade para chegar ao seu local de trabalho, no retorno para casa elas só querem curtir uma noite no baile funk, mas se deparam com depoimentos intolerantes.