“Estou metido, todo besta com essa história.” Natural de Vitória, o ator, cenógrafo e figurinista Cláudio Tovar voltou ao Estado para receber o carinho do público no Teatro Carlos Gomes. Ele foi o homenageado capixaba deste 25º Festival de Cinema de Vitória, que começou na noite de ontem e vai até este sábado.

Ator multifacetado, Tovar é reconhecido pela atuação em vários campos da arte: cenógrafo e figurinista premiado, ele também coleciona trabalhos como ator, seja no teatro, na TV ou no cinema. Recentemente, Tovar integrou o elenco de “O Mecanismo”, série da Netflix. Agora, ele aguarda o lançamento da série “O Doutrinador”, da mesma empresa de streaming.

No bate-papo abaixo, o artista relembra o início da carreira, opina sobre a relevância da televisão aberta e conta uma história curiosa de censura durante o regime militar, entre outros assuntos. Confira:

Como é receber a homenagem?
Estou tão orgulhoso. Estou metido, todo besta com essa história (risos). Ser homenageado na sua terra não tem preço. Saí daqui a tanto tempo… vou e volto, mas perdi muito contato com todo mundo, porque a cidade mudou muito, né? Não reconheço mais nada. Não sei mais andar sozinho aqui, sinceramente. Conheço um pedacinho da Praia do Canto, onde eu morava, mas no geral não sei onde que eu estou. Aí quando você pensa que está esquecido, vem essa homenagem tão bonita.

Você saiu de Vitória com quantos anos?
Com 18. Saí porque naquela época não tinha muita coisa pra eu fazer aqui. Isso em 1962 ou 1963. Eu sabia que ia trabalhar com artes de alguma forma, eu tinha essa intuição. E aqui não tinha campo. Aí fui pro Rio, no peito e na raça, sem nenhuma ideia do que ia acontecer. Era muito garoto.

Uma época pré-golpe militar.
Isso. Em 1964 eu já estava em Brasília. Um primo que era da Aeronáutica me arranjou uma passagem. Cheguei lá e fui conhecer a UnB. Era a coisa mais fantástica do mundo. “Tudo que eu quero na vida está aqui.” Gente desenhando, pintando, fazendo teatro. Fiz o curso de Arquitetura lá. Depois de algum tempo, chegou uma hora que achei que não era arquitetura que eu ia fazer. Fiz um curso de teatro na UnB e vi que poderia pegar a arquitetura e usar no teatro, fazer cenografia, coisas assim. Fui pro Rio tentar isso. Lá conheci o Reginaldo Farias, que era casado com uma amiga minha. Ele imediatamente me chamou pra fazer direção de arte do filme que ele ia começar, “Pra quem fica tchau”. Era tudo o que eu queria na vida. A direção de arte estava começando naquele momento, tinham poucos fazendo. Entrei nessa história até pra descobrir qual o caminho da direção de arte.

E nessa época você já tinha feito teatro.
Já tinha feito teatro amador, como ator. Mas não fui com essa intenção de ser ator. Aconteceu depois, mas em princípio era cenógrafo. Acabei virando figurinista também, que é o que mais faço hoje.

Você falou que sempre teve uma intuição de que seria artista. Como que foi seu primeiro contato com a arte?
Foi com desenho. Eu gostava de desenhar. Meu pai e minha mãe trouxeram de presente pra mim um estojo de guache, pincel e umas gravuras. Meu pai falou: “Quero que você faça uns quadrinhos, que vamos botar na parede”. Tentei fazer, fiz muito sem jeito, sujei tudo. Ele viu os desenhos e falou: “Não, isso não está bonito, não. Você tem que caprichar mais.” Meu pai desenhava muito bem. Foi uma coisa que eu fui aprimorando, desenhar sempre querendo satisfazer meu pai, que eu não tinha conseguido da primeira vez. Eu gostava muito de dançar também. Na minha época era twist. Eu era daqueles que ficava dançando, todo mundo saía e eu ficava dançando (risos). Sempre fui muito metido pra fazer essas coisas.

Talvez por isso você tenha se formado um artista múltiplo.
Nada é uma coisa só. Fazer teatro implica em muita coisa. Como cenógrafo ou figurinista, eu tenho que saber qual a intenção daquela cena pra fazer a roupa. Se eu for fazer um figurino que tem dança, tenho que ver como é coreografia. Não posso fazer uma roupa apertada se a pessoa vai jogar a perna pra cima. As coisas nunca estão sozinhas. Não sei onde começa uma coisa e acaba a outra.

O cinema ocupa qual lugar na sua carreira hoje?
Na minha vida. Eu adoro cinema, sempre fui cinéfilo. Hoje em dia menos. Tenho pouco tempo para ir ao cinema, substituí um pouco pela televisão. Mas agora estou mais como ator. Adoro. Sinceramente, eu não gostaria de voltar à parte técnica, cenografia ou figurino. É muita coisa, muito cansativo. E já estou com mais idade… Se tiver que virar a noite, prefiro virar como ator. Fico quieto lá no canto, esperando. Já passei dessa fase (risos).

Você assistiu a algumas transformações da televisão. Qual a relevância da TV aberta hoje, diante de mídias e tecnologias novas?
Não vejo as pessoas pararem de assistir às suas novelinhas, não. Os filmes estão lá, têm seu lugar, as séries também. Não sou muito de novela. Gosto de fazer, mas não tenho muita paciência pra acompanhar. Mas lá em casa se vê novela. Às vezes começa a novela, Lucinha (Lins, esposa de Tovar) vai ver. Eu vejo um filminho, às vezes uma série. Acho que talvez o cinema esteja perigando por causa da televisão a cabo. O teatro, menos. Porque o teatro, quando você quer ver aquela peça, você só pode ver aquilo lá.

O teatro tem aquela aura de aqui e agora.
Tem todo um ritual dentro do teatro. Um bom teatro, uma boa peça tem seu ritual.

Você fez teatro na época do regime militar. Sofreu censura?
Sofri. E foi grave. Fazia parte do grupo Dzi Croquettes. A gente começou fazendo “Boate” no Rio, depois em São Paulo. Foi um ano de sucesso em São Paulo. Voltamos pro Rio. E no Rio alguém não gostou de alguma coisa. Um belo dia a gente chegou pra fazer o espetáculo, e estava censurado. Ninguém sabia por quê. Nenhuma nota oficial, só que a peça estava censurada e não podia ser encenada. Ficamos assim quase dois meses. Até que um dia, o prejuízo só aumentando, um pai de um de nós conseguiu mexer os pauzinhos em Brasília. Conseguiu que o censor do Rio nos ouvisse. Ele queria falar com o Lenny Dale, o diretor do espetáculo, mas Lenny tinha sido atropelado. Ele nem sabia quem era Lenny Dale. Eu tinha um terno. “Então vai você”, me disseram. Eu fui (risos). Me orientaram a não falar nada, a não dar desculpa, só ouvir. Fui lá naquela sala, a bandeira do Brasil atrás dele, dois meganhas, uma coisa horrorosa. Ele me chamou de tudo que era nome. Ele achava que eu era o Lenny. E que se a gente repetisse aquilo, ele ia acabar com a gente. Eu fiquei zen, olhando pra cara dele. E ele liberou o espetáculo. Acabamos a temporada, fizemos São Paulo outra vez antes de ir pra Europa. O Dzi Croquettes durou nove anos pra mim.

Uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte (IBCA), o 25º Festival de Cinema de Vitória conta com o patrocínio do Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo à Cultura, da Petrobras, do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), do Banco Regional de Desenvolvimento (BRDE), do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), da Ancine, e do Governo Federal, com apoio da Rede Gazeta, da Prefeitura Municipal de Vitória, e da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo. O Festival conta também com Apoio Institucional do Centro Técnico do Audiovisual (CTAv), do Canal Brasil, da Arcelor Mittal, da Link Digital, da Mistika, da Cia Rio, da UVV, da Marlim Azul Turismo e da Carla Buaiz Joias.

 

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