Sessão que integra o 24º Festival de Cinema de Vitória acontece
no dia 16 de setembro, às 14h, no Teatro Carlos Gomes

 

Embora o Brasil tenha a segunda maior população negra no mundo fora da África, ainda é muito nítido, infelizmente, que essa parcela dos cidadãos ainda enfrenta uma intensa batalha por representatividade nos diversos âmbitos da sociedade, entre eles a arte.

 

Com foco na importância de disseminar a memória e a cultura afro-brasileiras, o 24º Festival de Cinema e Vitória, que acontece entre os dias 11 e 16 de setembro, no Teatro Carlos Gomes, consolida uma janela exclusiva para filmes que abordam questões do povo negro: a Mostra Cinema e Negritude.

 

Inaugurada em 2016, esse espaço volta fortalecido à programação deste ano, com sessão no dia 16 de setembro, às 14h, no Teatro Carlos Gomes. Seis curtas-metragens – entre ficção, documentário e animação – integram a seleção, que contribui para revelar a força da produção artística e da estética negras, que, com o incansável esforço dos realizadores, têm crescido no país, apesar dos escassos lugares de fala.

 

A curadoria ficou a cargo do jornalista Leo Vais, da gestora a ativista cultural Charlene Bicalho e da assistente social e professora universitária Maria Helena Elpídio. “A Mostra Cinema e Negritude surgiu para atender a demanda crescente do trabalho de produtores e realizadores negros, ampliando assim a visibilidade dessas produções e legitimando a produção destes novos cineastas brasileiros”, afirmam os curadores, no texto de apresentação da mostra.

 

“Esta segunda edição procura evidenciar, a partir de um recorte dessa produção, outras vivências do povo negro como as relações de afeto, as novas oportunidades, a formação e a solidariedade, sem esquecer das questões de racismo e violência, ainda tão presentes no nosso dia a dia”, completam.

 

Uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte (IBCA), o 24º Festival de Cinema de Vitória acontecerá entre os dias 11 e 16 de setembro e conta com o patrocínio do Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo à Cultura, e da Petrobras, com o apoio institucional da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, da Cesan, da Secretaria de Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo, do Banestes e do Canal Brasil, e com o apoio da Rede Gazeta, da Prefeitura de Vitória, ArcelorMittal, da Academia Internacional de Cinema, da CiaRio, da Mistika e da Link Digital.

 

Negritude, representatividade e cinema

(Texto dos curadores Leo Vais, Charlene Bicalho e Maria Helena Elpídio)

 

Representatividade. Talvez essa seja uma das palavras mais escritas, ditas e repetidas ao longo dos últimos anos. Grupos cada vez mais tidos como de “minorias” buscam oportunidades e lugar de fala nas mais diversas esferas da sociedade. Mulheres, gays e negros – provavelmente os grupos mais colocados à margem na sociedade Brasileira – começam a ocupar espaços que, há algumas décadas, ninguém poderia imaginar.

 

Com o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal, de que as políticas afirmativas são constitucionais e essenciais para a redução de desigualdades e discriminações existentes no país, cada vez mais esses grupos se afirmam na sociedade. Ações do Estado, mas também da iniciativa privada e de organizações sociais, são fundamentais para solidificar a luta desses grupos.

 

No caso dxs negrxs, as políticas de cotas étnicas, efetivamente em vigor há 14 anos no país, talvez seja fator decisivo para começar a corrigir um erro histórico, vindo da escravização, e afirmar o povo afrodescendente como potente e criativo. Uma das marcas dessa representatividade pode ser percebida no audiovisual.

 

Sem deixar de reverenciar a importância de figuras como Haroldo Costa e Zózimo Bulbul, por trás e na frente das câmeras, e as lendárias Léa Garcia, Zezé Motta e Ruth de Souza, como figuras icônicas no cinema e na televisão, a nova geração de realizadores surge através das universidades, o que fomenta o discurso político, além dos coletivos independentes e de periferia.

 

Parte desses trabalhos é financiado por meio de editais de diversidade, mecanismos que ampliam  e, em muitos casos, apresentam um novo olhar sobre a sua/ nossa realidade.  Sendo o cinema um olhar em grande angular sobre recortes do mundo, além de um espaço de informação para a reflexão sobre a sociedade contemporânea, essa nova geração de cineastas imprime um novo fôlego e novas cores à paleta da produção cinematográfica brasileira.

 

Partindo dessa pluralidade, a 2ª Edição da Mostra Cinema e Negritude procura evidenciar, a partir de um recorte dessa produção, outras vivências do povo negro como as relações de afeto, as novas oportunidades, a formação e a solidariedade, sem esquecer das questões de racismo e violência, ainda tão presentes no nosso dia a dia.

 

A mostra surgiu para atender a demanda crescente do trabalho de produtores e realizadores negros, ampliando assim a visibilidade dessas produções e legitimando a produção destes novos cineastas brasileiros. Tia Ciata, de Mariana Campos e Raquel Beatriz, e Casca do Baobá, de Maria Luíza, têm em comum o fato de serem dirigidos por mulheres e apresentarem um olhar delicado e apurado sobre ancestralidades e novas perspectivas.

 

O primeiro é um documentário sobre o protagonismo feminino negro sob a ótica da personagem popular Tia Ciata, uma mulher de extrema importância para a formação do samba e das religiões de matriz africana, além dos vários depoimentos em primeira pessoa imprimindo novas formas de dizer sobre o mundo e para o mundo. O segundo trata de uma jovem negra nascida em um quilombo, que entra em uma universidade federal pelo sistema de cotas e que, por mensagens com a mãe, que mora no interior e trabalha como cortadora de cana mata as saudades e apresenta suas impressões sobre a cidade grande e como reinventa suas ancestralidades.

 

Vitor, de Alcantara, Felipe Gaze e Wolmyr Alcantara, e Na Quebrada, de José Augusto Muleta, tratam de impressões. Das primeiras impressões que julgam e padronizam as pessoas pela cor. O primeiro é uma animação que, em apenas um minuto, deixa claro como o preconceito racial pode ser fruto de estigmas e ignorância. Já Na Quebrada, é quase um doc ficção, realizado em parceria com alunos da Casa da Juventude, do bairro São Pedro, e mostra que o que parece, na maioria das vezes, não é. Outro destaque é Contraste de Disfarce, de Judeu Marcum, que apresenta a poesia do capixaba Marceu Rosaio, em um cenário de experimentação.

 

Caso J., de José Filipe Costa, trata de forma irônica e, ao mesmo tempo, aguda, de um dos temas mais caros da sociedade brasileira: o assassinato de jovens negros. Sem provas concretas, um grupo de advogados tenta inocentar dois policiais acusados da morte de um possível traficante, em uma metáfora onde o tribunal é um teatro e a morte pode ser uma montagem.

 

A reunião desses seis filmes apresenta, em pouco mais de uma hora, fragmentos da diversidade de narrativas da população negra. São recortes que, além de jogar luz sobre às questões sociais, culturais e existenciais desta população, apresentam e ampliam uma potente e criativa geração de novxs realizadores que agora falam de suas questões em primeira pessoa.

 

 

24º FESTIVAL DE CINEMA DE VITÓRIA
De 11 a 16 de setembro
Teatro Carlos Gomes
Entrada gratuita

 

2ª MOSTRA CINEMA E NEGRITUDE
15 de setembro, a partir das 14h

 

 

CASCA DE BAOBÁ (FIC, 12’, RJ), de Mariana Luiza. Maria, uma jovem negra nascida em um quilombo no interior, é cotista na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sua mãe, Francisca, leva a vida cortando cana nas proximidades do quilombo. As duas trocam mensagens para matar a saudade e refletir sobre o fim de uma era econômica-social.

 

CONTRASTES DE DISFARCES (EXP, 2’, ES), de Judeu Marcum. Contrastes de Disfarces é uma videoarte que é foi construído a partir da poesia do Marceu Rosaio um poeta capixaba que vem se destacando nas áreas urbanas do país.

NA QUEBRADA (FIC, 4’, ES), de José Augusto Muleta. A história é baseada em dois jovens que saem pela comunidade em busca de um “produto típico” da região para oferecer ao turista que visita a cidade.

O CASO J (FIC, 20’, RJ), de José Filipe Costa. Um tribunal é um teatro e a morte pode ser uma montagem.

 

TIA CIATA (DOC, 26’, RJ), de Mariana Campos e Raquel Beatriz. Tia Ciata é um documentário sobre o protagonismo feminino negro sob a ótica da personagem popular Tia Ciata, uma mulher de suma importância para a cultura brasileira.

 

 

VICTOR (ANI, 1’, ES), de Darcy Alcantara, Felipe Gaze e Wolmyr Alcantara. Os pingos da chuva parecem não incomodar um estranho homem e seu surrão quando esses atravessam na madrugada a fachada de um cemitério na alameda mal iluminada. Enquanto o carro policial ronda a esquina, o misterioso sujeito, cuja face permanece oculta na névoa densa, aperta o passo até chegar num pequeno cômodo onde dedica o restante da madrugada ao seu enigmático projeto.