“A gente não pode perder de vista o poder da criatividade brasileira”, afirma Lázaro Ramos, homenageado do 31º FCV

Antes de receber a homenagem do 31º Festival de Cinema de Vitória, o ator e diretor Lázaro Ramos atendeu a imprensa na Coletiva de Homenagem que marcou o lançamento do Caderno do Homenageado, na tarde desta quinta-feira (25). O Salão Penedo, no Hotel Senac Ilha do Boi, reuniu jornalistas e admiradores do artista para um bate-papo descontraído e reflexivo com o ator baiano.

Na coletiva, ele conversou sobre sua história, transcrita pelos jornalistas Leonardo Vais e Paulo Gois Bastos, no Caderno do Homenageado, e que conduziram o encontro. “Conduzi junto com Leonardo Vais esse Caderno. Foram seis encontros, quase sete horas de conversa com o Lázaro. Ele é uma ótima fonte para jornalistas, nunca se esgotava nesse processo de pesquisa, é um artista de fôlego. Nessa edição a gente optou por tirar o máximo possível de informações extras sobre as obras, e privilegiamos a fala na íntegra o mais próximo possível. A publicação deu 100 páginas, mas a gente sabia que renderia mais. Enquanto baiano, entendo muito essa homenagem. É imerso na cultura popular, na cultura das ruas de Salvador, é fruto desse caldo baiano. É uma alma baiana que se traduz no Lázaro”, disse Paulo Gois Bastos.

Leonardo Vais complementou a fala do parceiro na autoria do Caderno. “O próprio Lázaro se define como comunicador e nessa conversa toda, as escolhas dos trabalhos desde o início, tinha um direcionamento para pensar nessa comunicação, de usar os trabalhos para chegar ao público. Queria agradecer por essa oportunidade. Eu, enquanto filho de um homem baiano, me senti honrado e lisonjeado”.

Em sua primeira fala, Lázaro Ramos confessou que tudo o que havia pensado para essa homenagem, mudou logo que chegou ao Espírito Santo.”Vim pronto para não me emocionar, ficar feliz, estou honrado, mas de repente fiquei aqui e retornei ao Lazinho de 15 anos. Que nunca pensava em fazer cinema, que pagava um ingresso e via três vezes o mesmo filme. Cheguei aqui, vi o livro e comecei a ter a sensação que é a mesma que tive nesses encontros com vocês, e eu já me sentia homenageado nesses encontros, que vocês me fizeram lembrar do quão importante era fazer. Encontrando pessoas, com coisas no meio do caminho, com a paciência que vocês tiveram de ouvir todas as histórias”, disse o ator, que completou:

“Não tenho condições de ler o Caderno do Homenageado agora, porque sei que vou me emocionar muito. Tento fugir desse lugar do garoto negro, nordestino, que venceu na vida, mas hoje não é outra voz, eu volto para esse menino que não sabia que ia crescer assim. Me sinto privilegiado por fazer parte da história do cinema brasileiro. Uma das coisas mais revolucionárias na vida, é a existências de festivais como esse em Vitória. É onde tem mostras, tem oficinas, e a gente compartilha conhecimentos”, pontuou o artista.

FAZER CINEMA

“Tem vários cineastas que estão produzindo, criando seus projetos, mas tem outro movimento que é o de jovens cineastas que estão contando sua história. Acho que a gente está vivendo um momento de muita fórmula, achando que o algoritmo vai fazer algo pela gente. Isso é um problema, acho que a gente precisa voltar a respeitar os contadores de história, os roteiristas, os diretores, algo que a inteligência artificial e o algoritmo não vão trazer. O que esperar de mim? Cada vez mais quero estar fora da inteligência artificial. Estou achando tudo muito parecido, que já fizeram, que já falaram. Meu caminho e minha busca são essas. A gente não pode perder de vista o poder da criatividade brasileira.”

ACREDITAR NO AUDIOVISUAL

“Nós criadores, estamos com desafio de atingir esse público que está acostumado com as telas o tempo todo, mas com essa aceleração que a geração nova tem. Não sei se os pais estão assim. Assistam, se conectem com isso. Existe uma nova relação com a TV por assinatura, com a TV aberta, com o streaming, mas sempre existe a oportunidade. A gente está precisando ativar a inquietação. Pensar em como cada história encontre com seu público. De 10 em 10 anos a gente fala de retomada do cinema, não quero mais falar disso, quero tomar e não ficar retomando (risos). É muito importante nossas crianças assistirem filmes brasileiros. Permanecerá na minha vida para sempre, trabalhar com crianças.”

METODOLOGIA DE ATUAÇÃO

“Não faço a menor ideia (de qual seja o melhor método), eu sou uma confusão ambulante (risos). Logo logo vou ser desmascarado. Não tenho método que eu sigo sempre, estou aberto às várias formas de fazer. No filme O Homem Que Copiava (2003) eu achava o personagem muito parecido comigo e isso facilitou naquele momento. Meus diretores me provocam muito, meus colegas me provocam muito. Tem gente que diz que só passei no teste de Madame Satã por conta do jeito que eu olhava para Marcélia Cartaxo (risos). Todos os processos tiveram suas dificuldades. Todas as vezes que começo um trabalho, tenho que me colocar no lugar de aprendiz e me dá uma insegurança, mas mantenho minha paixão, então é um conjunto da obra e eu consegui me equilibrar.”

TÉCNICA

“Quando saí do teatro e fui fazer televisão pela primeira vez, antes de cada cena eu me aquecia e não falava com a equipe técnica, porque achava que ia me desconcentrar. Em Cobras e Lagartos, minha primeira cena eu estou olhando para a câmera. Uma coisa que já entendi, é que quando estou fazendo comédia, fico ativando minha criança o tempo todo. Descobri que isso me ajuda a fazer comédia. No drama, fico mais quietinho, mais caladinho, ou seja, entendi meu processo. Ao me conhecer em outras linguagens, descobri o que era bom para mim. Me conhecer, conhecer minhas forças e limitações, é muito importante.”

SER UM HOMEM PRETO

“Aprendi no movimento social e no teatro popular da Bahia. Esse lugar de aceitação, de valorização, que tenho direito de cobrar o meu espaço, eu aprendi lá. É um espaço que eu gosto de contar não pelo lado da dor, que nos persegue, mas do valor que isso tem. Comecei a fazer um processo agora em família, da gente conhecer mais a nossa história. Quais são os espaços que são apagados todos os dias. E no cinema, inclusive, é um lugar para a gente contar essa história. É muito importante valorizar as produções locais. A gente ainda não chegou onde pode e merece chegar. A gente ainda tem uma luta grande contra o racismo e a gente está aqui para mudar. A gente não desiste não!”

ELISA LUCINDA

“Minha experiência com o Espírito Santo se chama Elisa Lucinda. Eu vim aqui há 15 anos atrás fazer o Auto de Natal, e às vezes de passagem para Salvador. Aliás, vejo tudo como novo, com vontade de voltar mais vezes. Elisa quando foi à Salvador, uma tia minha me apresentou. Eu ia atrás dela, onde ela estivesse, em Salvador. Depois fui morar com ela. E aí ou eu acordava com uma piada, ou com uma putaria, ou com uma poesia. Por hora, meu conhecimento daqui é pela poesia de Elisa, mas vou voltar muitas vezes.”

REMAKE E NOVELAS

“Desafio, né? Alguns deram muito certo, outros entraram em outro lugar. Remake pode ser bom, mas talvez o que faça com o que o remake se perca, é tentar ir atrás de uma fórmula, e não desenvolver os personagens. Acabei de fazer o Mário Fofoca (em Elas Por Elas na TV Globo), num remake difícil, um personagem que o Luís Gustavo viveu magistralmente (em 1982), e eu fui feliz, fazendo o meu Mário Fofoca. E é um grande desafio, mas a gente sente falta de histórias originais. A gente está fazendo de tudo para tirar a força do roteiro. Precisamos discutir limitações para o uso da inteligência artificial, a gente não conseguiu discutir regulação de streaming no Brasil. Sinto que existe um processo que é todo de tirar o direito do artista. Minha dúvida é o que aconteceu com nossas histórias, que acaba um capítulo de uma novela e a gente não vai falar sobre ele? A gente vai fazer outra coisa ou mudar de assunto? Eu tenho mais uma pergunta do que uma resposta.”

REFERÊNCIAS

“Sempre vou para nossos mestres, tem uma galera que deixou um legado importante e sempre conversa comigo. Seja Joel Zito Araújo, seja Jorge Furtado, seja Sabrina FIdalgo, seja Jordan Peele, seja Barry Jenkins, seja Flora Gomes, uma galera que me inspiro muito assistindo o trabalho deles Tem uma hora que eu consigo trabalhar com essa escuta máxima. Os processos todos são muito colaborativos. Como diretor e roteirista, ainda sou membro do teatro baiano, do projeto do Olodum. É o que sempre sonhei, mas não por questão de vaidade. Sou fruto de referências, pessoas que generosamente compartilharam suas histórias, seus conhecimentos. Minha oficina de ator foi de gente que me ensinou de graça, que me ofereceu seu conhecimento e a sua história.”

PROJETOS

“Comecei a rascunhar uns textos e vou fazer a continuação do Na Minha Pele. Quero fazer um livro pouco mais subjetivo que o primeiro e quero acompanhar muito ele, falando de 2018 para cá. No cinema, tenho três produções à caminho: Arca de Noé e Virando Latas, duas animações, e o outro não posso falar por enquanto. A gente merece ver o maior patrimônio que a gente tem no país, que é a diversidade na tela. E essa diversidade só vai existir, se a gente contar novas histórias.”

31º Festival de Cinema de Vitória conta com o patrocínio master do Instituto Cultural Vale e Petrobras, através da Lei de Incentivo à Cultura, Ministério da Cultura. Conta também com o patrocínio da ArcelorMittal através da Lei de Incentivo à Cultura CapixabaSecretaria da Cultura do Espírito Santo. Conta com a parceria do Sesc Glória. Tem apoio da Rede Gazeta, do Canal Brasil, do Canal Like, da TVE Espírito Santo e da Carla Buaiz Jóias. A realização é da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte (IBCA).

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