Voltada para temáticas de diversidade sexual e de gênero, a Mostra Quatro Estações chega a sua 8ª edição neste 25º Festival de Cinema de Vitória. Com uma seleção de sete filmes que visam potencializar discursos afirmativos em torno de questões da população LGBTQI+, a sessão acontece no dia 6 de setembro, às 23h, no Teatro Carlos Gomes, Centro de Vitória. A entrada é gratuita.

Neste ano, a mostra reúne filmes de quatro Estados – Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás. A curadoria da mostra ficou a cargo do cineasta e professor universitário Erly Vieira Jr., da crítica e pesquisadora de cinema Kênia Freitas, da mestranda em Cinema e Audiovisual Luana Cabral e do pesquisador e programador Waldir Segundo.

As obras concorrem ao Troféu Vitória de Melhor Filme. Os vencedores recebem o prêmio na noite de encerramento do festival, dia 8 de setembro.

Cinema Queer

Dentre as sete obras selecionadas, seis são assinadas por mulheres (a exceção é Netuno, de Daniel Nolasco), seguindo a tendência de outras mostras do festival – Competitiva Nacional de Curtas-Metragens, Corsária, Foco Capixaba e Outros Olhares -, que também apresentam maioria feminina na direção dos filmes. “Esse conjunto de filmes vem atestar uma verdade que durante muito tempo foi sufocada: o queer e sua potência pela diferença, com seus instigantes modos de existir e resistir, também é propriedade delas”, comenta o curador Erly Vieira Jr.

Segundo Erly, embora as mulheres tenham contribuído com o cinema queer brasileiro desde seus primórdios, as condições de produção e circulação de suas obras sempre foi diferente se comparada aos filmes produzidos por homens. “O audiovisual LGBTQI+ nacional foi, durante décadas, uma espécie de ‘clube do bolinha’, no qual as histórias eram majoritariamente concebidas e realizadas por homens gays ou bissexuais cisgêneros que, embora reservassem o lugar de personagem ocasionalmente às lésbicas ou mulheres trans, raramente lhes permitiam ser donas dos discursos que moviam tais filmes”, explica o curador.

O panorama só começou a ser alterado nesta década de 2010, diz Erly, sobretudo nos últimos três anos, “com uma nova geração de realizadoras cis (lésbicas ou não), abordando um rol cada vez mais diverso de traduções audiovisuais das experiências de sexualidade e gênero não hegemônicas – ou seja, queer.”

Confira mais sobre os filmes

A cineasta Marina Pontes compete na mostra com dois filmes – Sair do Armário e Lésbica -, definidos por Erly como um duplo manifesto. “Se Sair do Armário atesta o quanto o ambiente familiar muitas vezes é o primeiro território em que a lesbianidade é reprimida e hostilizada, Lésbica vem como uma resposta afiadíssima e tão potente quanto as metáforas visuais que se anunciam em suas sequências iniciais.”

Seguindo no exame dos filmes da mostra, Erly diz que “Sam (Julia Souza e Miguel Moura) convida sua plateia a um irrecusável mergulho na descoberta do desejo por sua protagonista adolescente, enquanto que Yomango (Rafaela Uchôa e Alexandre Guena) atualiza a ideia de marginalidade não apenas como uma recusa à norma que tenta em vão limitar o prazer, mas também como um poderoso antídoto à toxicidade das masculinidades misóginas.”

O curador explica que a seleção também abarca obras que vão além da experiência lésbica, a exemplo de Azul Vazante, de Júlia Alquéres: “O filme apresenta uma mise-en-scène bastante arrojada, a recobrir o cotidiano com uma viva camada de artifício – feito o azul que transborda e revela serem bastante complexos os vínculos entre a protagonista trans e sua mãe.”

Inconfissões, de Ana Galizia, é caracterizado por Erly como um encontro “bastante ousado e especial”. O documentário parte de um punhado de cartas e imagens de arquivos deixadas por seu tio,  o diretor teatral Luiz Roberto Galizia, falecido há mais de trinta anos, a quem ela não chegou a conhecer. “São fotografias e vídeos registrados num período crucial da experiência LGBT ocidental, especialmente no imaginário masculino: a gay lib coletiva da San Francisco da década de 70”, explica o curador.

“Essas imagens, mediadas pela subjetividade da cineasta através de uma montagem e roteiro bastante precisos, não só estabelecem uma conexão íntima entre tio e sobrinha de gerações tão distintas, mas também nos fazem partilhar daquela energia inquieta que regia tanto a liberdade corporal e comportamental dos anos 1970 quanto as angústias e melancolias do início dos anos 1980 – uma inquietação que ainda hoje move a todos nós, indivíduxs queer, nossos corpos, nossa vontade de existir, resistir e continuar alçando voos, tanto na glória quanto na ruína”, afirma Erly.

25º FESTIVAL DE CINEMA DE VITÓRIA

Uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte (IBCA), o 25º Festival de Cinema de Vitória conta com o patrocínio do Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo à Cultura, da Petrobras, do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), do Banco Regional de Desenvolvimento (BRDE), do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), da Ancine, e do Governo Federal, com Apoio da Rede Gazeta, da Prefeitura Municipal de Vitória, e da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo. O Festival conta também com Apoio Institucional do Centro Técnico do Audiovisual (CTAv), do Canal Brasil, da Arcelor Mittal, da Link Digital, da Mistika, da Cia Rio, da UVV e da Marlim Azul Turismo. O lounge do Festival é co-realizado pela Galpão Produções e pela molaa.

 

8ª MOSTRA QUATRO ESTAÇÕES

Quando: Quinta-feira (6 de setembro), às 23h

Onde: Teatro Carlos Gomes

 

Confira os filmes selecionados:

Sair do Armário (Marina Pontes, DOC, 3′, BA). “Eu penso todo o tempo que se tivesse nascido muda, ou se tivesse mantido um juramento de silêncio toda minha vida, teria sofrido igual, e igualmente morreria.” Audre Lorde.

 

Lésbica (Marina Pontes, EXP, 5, BA). “Quando me dei conta do que eu era, meu reflexo no espelho sorriu, embora eu mesma estivesse envolta em lágrimas.” Thalita Coelho.

 

Netuno (Daniel Nolasco, FIC, 17′, GO). O vento seco e a baixa umidade do ar ressecam a pele dos moradores de Catalão. Nas quartas-feiras, Sandro nada na única piscina da cidade. Foi à beira da piscina que conheceu Maicon. Sandro deseja Maicon, mas seus olhares nunca se cruzaram.

 

Azul Vazante (Júlia Alquéres, FIC, 16’, SP). Uma mãe procura o filho em um leito hospitalar; encontra a filha. Entre margens e marés, do centro vaza azul.

 

Sam (Miguel Moura e Julia Souza, FIC, 8’, RJ). Julia quer implodir.

 

Inconfissões (Ana Galizia, DOC, 21’, RJ). Luiz Roberto Galizia foi uma figura importante para a cena teatral nas décadas de 1970 e 1980. Foi, também, um tio que não conheci. Este documentário procura um resgate do vivido, a partir do registro feito em fotografias e filmes super 8 pelo tio Luiz e encontrado por mim 30 anos depois da sua morte.

 

Yomango (Alexandre Guena e Rafaela Uchôa, FIC, 12’, BA). Dentre as várias formas de desobediência civil, para a lúdica Kitty, a principal delas são os pequenos furtos. Com sua namorada e cúmplice Debby, elas subvertem o cotidiano ao redor através de pequenos delitos que culminam em acontecimentos irreversíveis. Kitty dá vazão a seus impulsos reagindo às pequenas violências diárias sofridas pelas mulheres.