7ª Mostra Quatro Estações amplia debate sobre sexualidade e gênero

Janela do 24º Festival de Cinema de Vitória reúne sete filmes vindos de seis Estados,
com exibição no dia 15 de setembro, no Teatro Carlos Gomes

 

A luta por representatividade e aceitação dos diferentes modos de vivenciar a sexualidade e a questão de gênero sempre se espraiou por diversas frentes de batalha, seja enfrentando barreiras legais, seja confrontando o preconceito. Nesse percurso, a arte é um importante veículo das bandeiras do movimento, especialmente quando as obras são produzidas por seus próprios integrantes. É nesse sentido que a 7ª Mostra Quatro Estações, que faz parte da programação do 24º Festival de Cinema de Vitória, busca contribuir com o debate, auxiliando na necessária quebra de paradigmas.

 

Neste ano, a mostra reúne sete filmes, de seis Estados – Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas –, que serão exibidos no dia 15 de setembro (sexta-feira), a partir das 23h30, no Teatro Carlos Gomes, com entrada gratuita. A seleção ultrapassa as fronteiras da heteronormatividade para celebrar a diversidade de corpos e afetos.

 

“A 7ª Mostra Quatro Estações veio com os dois pés – e o corpo todo – na porta, herança de belíssima safra de 2016/2017. Entramos fazendo barulho, mostrando profusão de cores, corpos e amores, explodindo e expondo as transformações do mundo sem se preocupar com as quebras de padrões e paradigmas”, comenta Waldir Segundo, um dos curadores da mostra, ao lado do professor universitário e pesquisador Erly Vieira Jr., do escritor e roteirista Gustavo Guilherme e da realizadora audiovisual e mestranda da área de Cinema Luana Cabral.

 

Na contramão da polarização política e do acirramento de visões ultraconservadoras a que assistimos nos últimos anos, não somente no Brasil, a sétima edição da Mostra Quatro Estações se presta ao importante papel de desvelar nuances e possibilidades da existência humana, pautando-se no respeito às diferenças – postura tão óbvia à civilidade e, ao mesmo tempo, tão menosprezada.

 

Uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte (IBCA), o 24º Festival de Cinema de Vitória acontecerá entre os dias 11 e 16 de setembro e conta com o patrocínio do Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo à Cultura, e da Petrobras, com o apoio institucional da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, da Cesan, da Secretaria de Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo, do Banestes e do Canal Brasil, e com o apoio da Rede Gazeta, da Prefeitura de Vitória, da Academia Internacional de Cinema, da CiaRio, da Mistika e da Link Digital.

 

Policromias

(Texto do cocurador Waldir Segundo)

 

Remodelar-se e transformar-se é uma constante no cinema queer, sempre abordando a pluralidade de gêneros e sexualidades e modos de existir que se desviam dos padrões ditos normativos. A diversidade não é restrita só para o mundo homossexual masculino: mudar e se reinventar é uma necessidade constante das orientações sexuais fora do padrão, tendo em vista que o diferente sempre foi visto como uma ameaça para o indivíduo e para a sociedade. O termo queer não se traduz somente como estranhamento, mas também por sua capacidade de arruinar a norma, desordenar tudo, mudando de lugar e de ponto de vista. O cinema é, então, um importante instrumento de manifesto para mostrar nossa presença no mundo: não-binaries, heter@s, ursas, 9nhas, bichinhas, sapatões, travestis, trans e @@@, estamos aqui para deixar o mundo menos chato e mais colorido – um farol de caleidoscópio para as pessoas que ainda se sentem perdidas no mundo.

 

Como um produto oriundo dessa mistura, Latifúndio (Érica Sarmet) tem a necessidade de explorar os corpos, especialmente o feminino, até o extremo, sem medo nenhum da exposição. Todos temos os genitais transbordando de nossos corpos e podemos fazer com eles o que bem entendermos. Nossos corpos são livres para serem exibidos e sentidos, e também para tocarem, sentirem, descobrirem o mundo e seus prazeres. Com isso, Baunilha (Léo Tabosa) deixa sua marca na pele nos apresentando o universo S&M, bem diferente do que Hollywood tenta nos ensinar, retirando-o do rótulo da anormalidade ou de sua redução ao mero fetiche e colocando todos nós em uma escala igualitária: não existe dor maior do que a ausência do amor. Do outro lado, temos o documentário multicolorido Tailor (Calí dos Anjos), onde relatos de transgêneros se misturam com animação de forma homogênea, deixando a mensagem muito mais jovial e carismática, reforçando seu protagonismo diante e detrás das câmeras.

Em Wonderfull – Meu eu em mim (Dário Jr.) vivemos um dia de Natasha, mulher trans que saiu da prostituição para se tornar enfermeira e ajudar a comunidade. Viver um dia de Natasha é saber que a vida vale muito mais. Saber que a vida e o amor valem muito mais também é o mote de Roma (Charles C. S. Ferreira): a história de uma menina descobrindo sua sexualidade em uma comunidade religiosa tendo em vista a necessidade do adolescente por compreensão é muito maior do que toda a intolerância e repressão presente nesse meio. A adolescência no universo suburbano pop de Vando Vulgo Vedita (Andréia Pires e Leonardo Mouramateus) é, sobretudo, leve: pessoas tão diferentes entre si unidas apenas pela linha tênue da amizade e do desejo (além dos cabelos loiros de Super Sayajins) que, mesmo com momentos severos, nunca perdem a energia. Em um universo semelhante, a sexualidade faz aflorar momentos de prazer e angustia. Stanley (Paulo Roberto) foi para nunca mais voltar, e sua fuga pode ter sido a liberdade de seu irmão, mesmo a um preço muito maior do que ele queria pagar.

A 7ª Mostra Quatro Estações veio com os dois pés – e o corpo todo – na porta, herança de belíssima safra de 2016/2017. Entramos fazendo barulho, mostrando profusão de cores, corpos e amores, explodindo e expondo as transformações do mundo sem se preocupar com as quebras de padrões e paradigmas. Afinal, como não propagar tais transformações para além dos que sentem as diferenças das estações de forma tão particular quanto nós LGBTQIA+?

 

 

7ª MOSTRA QUATRO ESTAÇÕES
24º Festival de Cinema de Vitória
SEXTA-FEIRA (15 de setembro, às 23h30
Teatro Carlos Gomes | Entrada gratuita

 

BAUNILHA (DOC, 13’, PE), de Leo Tabosa. Olhe a sua volta. Tudo que você vê e toca pode ter o gosto de baunilha.

 

LATIFÚNDIO (EXP, 11’, RJ), de Érica Sarmet. O corpo não é apenas matéria, mas uma contínua e incessante materialização de possibilidades.

 

ROMA (FIC, 20’, SP), de Charles C.S. Ferreira. Julia (Gabriela Mora) é uma adolescente introspectiva que se sente desconfortável com a religiosidade de sua mãe, Marta (Bia Bologna), que, embora muito comprometida com sua fé, deposita toda a sua confiança em Bispo César (Maurício Mascarenhas), líder religioso da igreja local. Julia entra em um dilema moral ao se ver apaixonada por Bárbara (Maria Clara Venna), uma nova integrante de sua igreja, e todos os conflitos sociais vêm à tona com os questionamentos que surgem em sua vida.

 

STANLEY (FIC, 19’, PB), de Paulo Roberto. Quando eu tinha sete, oito anos… vi meu pai conversando com um amigo. Não entendia muito bem o que eles estavam falando… o que eu mais lembro era dos lábios mexendo. Fiquei com vontade de beijar a boca do amigo do meu pai!

 

TAILOR (ANI, 9’, RJ), de Calí dos Anjos. Tailor é um jovem cartunista do Rio de janeiro, que começou a desenhar quadrinhos para expressar questões de sua transexualidade e contar histórias de outras pessoas transgênero, como Miro, que têm dificuldade em encontrar testosterona sintética; Tertuliana, que atravessa um momento de catarse na universidade; e Bernardo, que é negro, mãe, pai, e descobre sua nova identidade. Um filme sobre pessoas trans, feito por pessoas trans.

 

VANDO VULGO VEDITA (FIC, 20’, CE), de Andréia Pires e Leonardo Mouramateus. Vando (vulgo Vedita) não é visto faz um tempo nas ruas da Barra.

 

WONDERFULL – MEU EU EM MIM (DOC, 21’, AL), de Dário Jr. Nem sempre os começos são felizes, mas isso não importa para Natasha Wonderfull, pois ela sabe que o que a define são suas escolhas e quem deseja ser.