Sessões que integram a programação do 24º Festival de Cinema de Vitória
acontecem nos dias 12 e 13 de setembro, no Teatro Carlos Gomes

 

Uma das janelas de exibição de curtas-metragens do 24º Festival de Cinema de Vitória, a 6ª Mostra Corsária exibirá, durante dois dias, filmes que apostam na experimentação de linguagem como forma de expansão artística do cinema. Neste ano, 17 filmes participam da disputa pelo Troféu Vitória, com sessões na terça-feira (12) e quarta-feira (13), a partir das 16h, no Teatro Carlos Gomes. A entrada é franca.

 

Obras de oito Estados integram a mostra: Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Paraná e Goiás.  Inspirada no filme “Alma Corsária”, de Carlos Reichenbach (1945-2012), a Mostra Corsária exibe filmes que buscam evidenciar as influências do diretor na nova geração de cineastas brasileiros. As produções em competição serão avaliados por um júri composto por três profissionais da cadeia produtiva audiovisual brasileira.

 

A curadoria ficou a cargo do professor universitário e pesquisador Erly Vieira Jr., com cocuradoria de Gustavo Guilherme, Luana Cabral e Waldir Segundo, integrantes do projeto de extensão “Baile”. “Cinema é, antes de tudo, linguagem – esse mistério que precede as fórmulas engessadas da indústria, as normas estabelecidas pelas leis da perspectiva e da composição, o discurso publicitário do leitmotiv abobado das grandes produções, o gesto mecânico, os métodos, as previsíveis reviravoltas de roteiro, o vício pela imagem ruidosamente inóspita”, comenta Gustavo Guilherme.

 

Uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte (IBCA), o 24º Festival de Cinema de Vitória acontecerá entre os dias 11 e 16 de setembro e conta com o patrocínio do Ministério da Cultura, através da Lei de Incentivo à Cultura, e da Petrobras, com o apoio institucional da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, da Cesan, da Secretaria de Cultura da Universidade Federal do Espírito Santo, do Banestes e do Canal Brasil, e com o apoio da Rede Gazeta, da Prefeitura de Vitória, ArcelorMittal, da Academia Internacional de Cinema, da CiaRio, da Mistika e da Link Digital.

 

Sobre ruínas, heresias e mortos-vivos

(Texto do cocurador Gustavo Guilherme)

 

Cinema é, antes de tudo, linguagem – esse mistério que precede as fórmulas engessadas da indústria, as normas estabelecidas pelas leis da perspectiva e da composição, o discurso publicitário do leitmotiv abobado das grandes produções, o gesto mecânico, os métodos, as previsíveis reviravoltas de roteiro, o vício pela imagem ruidosamente inóspita.

 

Se a formação do cineasta passa pela ilusão da câmera como uma caneta, sem a qual seria impossível escrever um filme, ou pela crença nas convenções fotográficas perfeccionistas da era digital, onde estará o lugar da loucura, da imprevisibilidade, do caos, do vazio, do nada (é possível filmar o nada?), do profano? Se o terreno tão vastamente mapeado da linguagem cinematográfica está definitivamente cartografado, onde cabe, ainda, o olhar?

 

Se o cinema está morto, urge a necessidade de escavar a superfície e desenterrar o corpo, a fim de redescobrir nele os resquícios da insanidade que o manteve vivo, algo que, ingênuo ou louco, não saiba responder ao tentador chamado das convenções – como as mãos que raspam a imagem e as convertem em palimpsestos em Memórias do Subsolo ou como historiadores que investigam na fantasmagoria aparente da imagem a (in)existência de alguma vida que ainda respire debaixo dos escombros em A Morte do Cinema.

 

Sim, o Cinema está morto.

 

Mas, ao contrário do que se possa pensar, ainda é possível observar suas ruínas e, nelas, encontrar poesia – pura linguagem: o vazio, o opaco, o enigma –, ainda que, para isso, seja preciso redefinir as configurações do olhar e partir do nada, do desconhecido, como se nada tivesse, ainda, sido nomeado.

 

Então, a heresia da linguagem pura, essa deliciosa utopia, se revela: o corpo (morto) do Cinema ainda dança e se embriaga em Um Musical; ainda atua, performa e sonha (seriam Umbral – Depois de Morrer, Pequenos Atos de Desaparecimento e Sea Studies uma contemplação de nossos sonhos mais oblíquos?); o corpo ainda registra, seja aquilo que lhe é familiar (Woodgreen, Ferradura e, talvez, O Dia do Silêncio) ou o que lhe é desconhecido, misterioso, peculiar (Superdance e Subcutâneo). “Eu vim, e do que vi, me fiz”, diz a voz em Eu Preciso Destas Palavras Escrita e o sagrado se desmonta diante dos olhos – e então não há ídolo tão genuinamente santo quanto a efígie negra de Black Catolic Galactic.

 

Sim, o Cinema está vivo.

 

Então, o corpo morto-vivo de um Cinema famélico e selvagem emerge, com fúria, do subsolo. Agora, a única linguagem possível é o caos. Faz-se necessária, portanto, uma nova cartografia: uma que investigue a ruína e os rastros, pois o corpo (o morto) está vivo, e leva consigo uma nova (des)ordem – nada está pronto, afinal. Através dele, de sua bestialidade brutal, outros corpos, ressurretos pela heresia da linguagem, exigem um novo sentido para o que está no mundo (Piano Forte) e, estando no mundo, o observam e o consomem. Corpos negros, femininos, desviantes, marginais, indignos e pecadores gritam, submersos no oceano gloriosamente imperfeito e delicioso da linguagem: como a silhueta submersa que baila imprecisa em Tehom; como as mulheres que, plenamente imersas em seus próprios corpos, mergulham no mar em Ádito; ou como a travesti que encara a câmera e ostenta sua existência diante dos olhos do mundo, no filme que carrega (acidentalmente?) em seu nome a natureza provocativa dessa mostra: blasFêmea.

 

 

24º FESTIVAL DE CINEMA DE VITÓRIA
De 11 a 16 de setembro
Teatro Carlos Gomes
Entrada gratuita

 

6ª MOSTRA CORSÁRIA
12 e 13 de setembro, a partir das 16h

 

 

ÁDITO (FIC, 14”, ES), de Renata Ferraz e Rubiane Maia. Uma mulher dorme num quarto vazio, sem janelas. Uma voz insiste em mantê-la acordada. Entre proximidades e distâncias, Ádito revela um fragmento da história da vida de duas mulheres.

A MORTE DO CINEMA (DOC, 19’, BA), de Evandro de Freitas. Quando levantou a casa, o sonho viveu lá. Depois morreu e tudo mudou: ficou a ruína. Dizem que ruína é coisa alguma, mas não é verdade. Ruína é a casa do abandono.

BLACK CATOLIC GALACTIC (EXP, 2’, ES), de Henrique do Carmo. O sofrimento faz de alguém “santo”? Jesus Cristo, filho de Deus, homem de outro mundo, no cristianismo, é adorado e lembrado pela sua perseguição, pelo seu sofrimento, pelo seu martírio. Uma mulher, negra, mãe solteira, moradora da periferia, que corre atrás todos os dias para comer, dar de comer e pagar uma moradia. Quem lembra do seu sofrimento? Quantos a colocam num altar e a adoram? O sofrimento faz de alguém “santo”?

BLASFÊMEA (FIC, 10’, SP), de Linn da Quebrada. O de esquina em esquina Não é homem nem mulher É uma trava feminina.

 

EU PRECISO DESTAS PALAVRAS ESCRITA (EXP, 21’, RJ), de Milena Manfredini e Raquel Fernandes. O passado e a vida de Arthur Bispo do Rosário são praticamente desconhecidos. Sabe-se apenas que era negro, marinheiro e pugilista. Em 1938 é internado na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, após um delírio místico. Com diagnóstico de esquizofrenia paranoide, inicia sua peregrinação em busca do divino e da catalogação do universo. Entre muitas permanências e saídas, vive por mais de 50 anos na instituição, onde produz toda sua obra.

FERRADURA (DOC, 9’, PR), de Bea Gerolin. Sabe quando você fala de uma pessoa que parece que você está vendo essa pessoa na sua frente? Que você quer essa pessoa perto de você, mas não tem essa pessoa? É assim que ele fala.

MEMÓRIAS DO SUBSOLO OU O HOMEM QUE CAVOU ATÉ ENCONTRAR UMA REDOMA (DOC, 11’, CE), de Felipe Camilo. Uma travessia subterrânea entre 1984 e 2016.

O DIA DO SILÊNCIO (DOC, 12’, CE), de Clébson Oscar. Aos dezesseis dias do mês de outubro do ano de 1969, Eraldo, um estudante, é interrogado na Subdelegacia Regional do Departamento de Polícia Federal em João Pessoa. Ele é só mais um entre tantos presos da Ditadura Militar no Brasil.

PEQUENOS ATOS DE DESAPARECIMENTO (DOC, 21’, RJ), de Thiago Gallego. Num jardim, nas escadas, na cidade it must be nice to disappear, canta Lou Reed. A poesia é um ato de desaparecimento? Um filme com o poeta Ismar Tirelli Neto.

PIANO FORTE (DOC, 9’, RJ), de Anabela Roque. Maurício Maia é um músico amador, autodidata. Vive na Baixada Fluminense, subúrbio de Rio de Janeiro. Cada vez que quer tocar piano, ele empreende uma viagem desde a periferia até ao centro da cidade. Ele vai “meio que no cheiro”, mas nem tudo o que encontra serve. Maurício acredita que a sua música vai guiar o seu futuro, ter um piano é fundamental.

SEA STUDIES [BALTICS] (EXP, 12’, ES), de Miro Soares. Sea Studies [Baltics] exibe uma série de composições criando um retrato do Mar Báltico e de sua região ao longo das estações. As imagens foram gravadas em vários pontos da costa da Lituânia, Letônia e Estônia em 2010, 2011 e em 2016.

SUBCUTÂNEO (FIC, 19’, SP), de Carlos Segundo. A pele não é o limite.

SUPERDANCE (FIC, 20’, CE), de Pedro Henrique. Um bando. Um amigo desaparecido, uma cobra, um sofá jogado no caminho. Nove corações inquietos em busca de algo que ainda esteja vivo.

TEHOM (EXP, 8’, MG), de Yuji Kodato. De um escuro espesso escorre um corpo. Uma carne em líquido, uma tentativa de nascimento, os sapos, as águas e o ventre pululando o mundo. Tehom é um videodança sensorial que comunga corpo e natureza para indagar sobre o que é nascer.

UMBRAL – DEPOIS DE MORRER (EXP, 4’, GO), de Thomaz Magalhães. Para aqueles que não se prepararam antes de partir.

UM MUSICAL (EXP, 4’, RJ), de Tarcísio Lara Puiati. Nós não somos um viral.

 

WOODGREEN (FIC, 12’, RJ), de Welket Bungué. Soho N’a é um jovem emigrante guineense a viver em Londres. Vive uma crise matrimonial e decide ir à procura de uma solução obscurantista no Brasil. Na viagem, fica perdido numa ilha durante dez dias, mas com a câmera do telemóvel conseguiu registrar parte dessa viagem que lhe trouxe efeitos inesperadas ao regressar à casa.